segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Monografia do Major PM Marlon Nazareno Soares Benfica

    Autor: Major PM Marlon Nazareno Soares Benfica

PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE MANAUS (PROSAMIM):UMA ANÁLISE DOS ÍNDICES DOS CRIMES VIOLENTOS, ANTES E APÓS SUA IMPLANTAÇÃO NA ÁREA DA ZONA SUL DE MANAUS-AM.

INTRODUÇÃO
O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM), criado pela Lei Delegada número 2 de 14 de abril de 2005, constitui-se num Programa Especial, cuja execução envolve todos os órgãos e entidades do Governo do Estado do Amazonas.
A partir do ano de 2006, o governo do Estado do Amazonas iniciou uma série de investimentos na rede de igarapés de Manaus, tendo dado início ao PROSAMIM, especificamente, na área da zona sul da cidade. Nessa área ocorreu o primeiro financiamento de US$ 200 milhões, sendo US$ 140 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e 60 milhões, investidos pelo Governo do Estado.
O objetivo do programa é promover o saneamento, o desassoreamento e a utilização racional do uso do solo às margens dos igarapés, de forma a promover a manutenção do patrimônio natural e melhorar as condições de vida da população envolvida.
Manaus, capital do Estado, é uma cidade recortada por igarapés, e a expansão do tecido urbano se deu, durante décadas, à custa da ocupação desordenada de suas margens. A ausência de controle sobre o uso e ocupação do solo, a falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do interior do Estado e a instalação da Zona Franca de Manaus em 1967, “empurraram” enormes contingentes populacionais para as áreas consideradas de risco. Ocorre que essa população migrante não foi totalmente absorvida pelo mercado de trabalho, resultando em exclusão social e, em muitos casos, criminalidade. Aos impactos sociais, econômicos e ambientais, somou-se o comprometimento paisagístico da cidade levando o Governo do Estado a implantar, como solução, o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM).
Para desenvolver o programa foi necessário, primeiramente, remover as famílias que viviam nas áreas de risco transferindo-as para outras áreas, na mesma zona. Discute-se, neste trabalho se a retirada das famílias, simplesmente, resolve um problema, que envolve, entre outras, questões interdisciplinares como condição de renda, direito à educação e à saúde todas relacionadas com o problema da exclusão.
Devido à sua complexidade, o problema social da violência não pode ser estudado à luz apenas de uma variável, como a transferência de moradia. No entanto, entende-se que esse é um processo de mudança o qual deve ser avaliado em conjunto com outras medidas em prol da redução da violência urbana. Nesse sentido, a revitalização urbana pode servir como um primeiro passo importante na recuperação e reinserção social dos habitantes dessas comunidades.
Nesse contexto, essa pesquisa buscou verificar os reflexos do Programa no que se refere aos índices dos crimes violentos na Zona Sul de Manaus. Com esse enfoque, foi feita uma análise do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus, no sentido de trazer à luz as reais melhorias advindas tanto no quesito habitacional como também na área de segurança pública, notadamente no tocante à redução dos índices criminais.

CAPÍTULO I

A CIDADE DE MANAUS E O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Durante séculos, o meio ambiente foi pensado como algo independente da vida, indestrutível e inesgotável, disponível para que o homem dele fizesse uso, transformando-o conforme suas necessidades. No entanto, inicialmente, a ação do homem sobre a natureza não representou um risco muito grande, nem ameaçou a sobrevivência humana, porque a própria natureza, sábia, recuperava o que dela era tirado.
Com o tempo, e o surgimento de novas tecnologias, essa atividade foi acelerada e a velocidade de transformação se tornou maior do que a de recuperação. A tecnologia trouxe indústrias mais modernas e o poder de destruição foi multiplicado. Espécies animais e vegetais foram extintas, outras, em via de extinção clamaram por ações que freassem esse processo de degradação. O solo se desgastou, as águas ficaram contaminadas e o ar foi poluído.
No ambiente urbano das grandes cidades e mesmo daquelas de porte médio, vê-se que a tecnologia, cada vez mais, ocupa o centro dos interesses da população envolvendo-a de maneira a perder sua natural relação com a terra e suas culturas. Dessa forma, o que outrora se fazia com o mínimo de interferência nos ecossistemas, hoje representa uma pressão muito forte sobre os recursos naturais, resultando em poluição da água e do ar e na transformação gradual das paisagens urbanas.
Manaus é uma cidade que se desenvolveu, historicamente, com base na utilização intensiva dos recursos que a natureza prodigalizou. Entendida unicamente como fonte de matéria prima, a imensa diversidade amazônica contribuiu, equivocadamente, para a idéia de que os recursos naturais não seriam esgotáveis.
A partir da década de 60, principalmente, os processos de industrialização mecanizaram a agricultura tornando difícil, sem políticas de desenvolvimento específicas, a sobrevivência do homem no campo. No Amazonas, o problema tornou-se mais sério com o advento da Zona Franca de Manaus e as ofertas de emprego e de oportunidades deixando o caboclo amazonense sem alternativas senão o êxodo rural.
Um novo estilo de sociedade surgiu a partir da opção pelo progresso técnico e pela acumulação privada sendo essa escolha, o vetor de todo ordenamento da vida social. Isso porque, para intensificar o progresso, a natureza e o homem foram sendo cada vez mais explorados, advindo dessa prática, de usar a natureza como fonte inesgotável de recursos, problemas ambientais de diversas ordens e grandezas.
Incluem-se, aqui, os problemas ligados à habitação, pois dentro dessa lógica, o direito à moradia e o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, são valores aparentemente paradoxais. Não só a natureza se degrada como se criam barreiras de difícil transposição para um grande número de pessoas. Estas, vivendo, por falta de alternativas, em áreas vulneráveis, tornam-se marginalizadas e sem acesso a qualquer porção de dignidade. Percebe-se que, na busca do desenvolvimento e de melhores condições de vida, o homem acelerou transformações no ambiente e na sociedade, aprofundando diferenças e contradições.
Valois e Cartaxo (2005, p.03) mostram a grande diversidade existente com relação à ocupação do espaço amazônico. Segundo as autoras:
Só para destacar [...] cumpre mencionar o processo acelerado de urbanização cujos efeitos intensos ultrapassam, inclusive, os limites das cidades, pois segregam populações em guetos de pobreza, implicando em injustiça social e, portanto, em insustentabilidade.
Em consequência desses fatos, a desigualdade na distribuição da população amazônica, contribuiu para o processo de urbanização inadequado, para a ocupação de áreas impróprias e para potencializar os impactos ambientais. Essas questões não são independentes das diversidades regionais que impõem, ao amazonense, um isolamento geográfico, cultural, político, entre outras dificuldades, tornando difícil se sentir parte integrante de um mesmo país.
1.1  Diversidades Regionais
A região amazônica tem características geográficas próprias que a separam do resto do país. A grande bacia fluvial e a maior floresta tropical do mundo implicam em obstáculos que envolvem aspectos demográficos, culturais, políticos, energéticos e tantos outros. Devido a essas dificuldades naturais de acesso, o interior do Estado, disperso pelas calhas dos rios, apresenta uma reduzida densidade demográfica, podendo-se falar em um enorme “vazio demográfico”. Assim, sem desenvolvimento e sem força política, as comunidades ribeirinhas migram para a capital, embaladas no sonho de “um lugar ao sol” o que, afinal, não se concretiza para todos.
Alfonso (1979, p. 52) considera que os reduzidos atrativos da vida rural estão na origem dos fatores que condicionaram as migrações e que esse fenômeno se agravou em virtude do aumento do fluxo campo-cidade:
[...] o ritmo de recém-chegados foi tão rápido e o aluvião tão desmedido, que as pujantes cidades que os receberam criaram ilhéus de miséria que ainda perduram à sombra dos arranha-céus e das grandes avenidas.
As características climáticas também transformam a região em lugar adverso influenciando a ocupação do Estado e dificultando o seu desenvolvimento. O clima quente e úmido implica em temperatura elevada durante todo o ano, com pequenos alívios na época das chuvas abundantes. Em compensação, durante o forte verão, o calor intenso é agravado pela baixa umidade decorrente da ausência das chuvas durante vários dias seguidos.
O isolamento da região é uma consequência desses e de vários fatores, pois além da geografia e das condições climáticas citadas, as políticas nacionais não foram capazes de integrar a região ao restante do país, concorrendo de forma decisiva para as implicações sociais, políticas e ambientais que aqui se discute. O que aconteceu na cidade de Manaus, como, aliás, também aconteceu em todos os estados do Brasil, foi a ausência de políticas capazes de integrar o processo de ocupação a uma genuína preocupação ambiental.
Na cidade, como ficou demonstrado, os benefícios não são universais, e, em consequência, aqueles que emigram da zona rural deparam-se com condições de vida extremamente desfavoráveis. Nesse cenário, onde se faz evidente a grande concentração de renda, a falta de oportunidades, a exclusão e a segregação social e ambiental, entende-se que, incapazes de gerir suas próprias demandas, a população assim marginalizada fique vulnerável à violência urbana e outros males.
Considerando esse modelo excludente, o desenvolvimento urbano cobrou da cidade e de seus habitantes, um custo ambiental muito elevado. Como exemplo, o assoreamento e a poluição dos igarapés que recortam a cidade, bem como a perda da cobertura vegetal, foram ocasionados pela falta de controle da ocupação do solo.
As áreas às margens dos igarapés são áreas de preservação permanente, mas tornaram-se atrativas ao homem do interior por vários motivos: (a) Na comunidade de origem, o rio é o companheiro constante do caboclo, seu meio de sobrevivência e de locomoção; (b) Na cidade, os cursos d’água recortam todos os caminhos próximos ao centro, ao movimento das pessoas (possíveis clientes), aos órgãos administrativos do município e do Estado, evitando-lhe os custos com transportes; (c) Para iniciar uma nova vida na cidade é necessário buscar moradias menos privilegiadas no segmento social, isto é, onde não exista uma grande demanda, e nesse caso, as margens dos igarapés ganham a preferência.
Na falta de uma Política de Recursos Hídricos eficiente, e de um controle do uso e ocupação do solo, uma parcela da população migrante passou a ocupar essa faixa de terra às margens dos cursos d’água. Portanto, no centro da enorme desigualdade sócio-espacial que se vê na cidade de Manaus, está a questão de acesso à propriedade. Sem recursos e sem oportunidades cresce a população que vive em cortiços e favelas, no entorno da cidade ou mesmo no centro da cidade, recortada pelos inúmeros igarapés.
Associada a esses problemas está a questão de infra-estrutura e transporte. Apesar da natural vocação hídrica, a cidade cresceu de costas para o rio, buscando programar ações de desenvolvimento aos moldes daquelas que “deram certo” em outras regiões do país, como foi o caso da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia-SUDAM nos moldes da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), implantada com êxito no nordeste.
1.2  Políticas de Desenvolvimento
O desenvolvimento do Amazonas, sempre esteve atrelado à navegação fluvial, subsidiada pelo Governo Federal desde a época das “Drogas do Sertão” e estimulada pela atividade extrativista.
A extração dos recursos naturais, inclusive, levou à formação das várias cidades do interior amazônico, chamadas “portos de lenha” que serviam como pontos de abastecimento de combustível. “Note-se que, desde o século XVIII, o interesse pelas ‘drogas do sertão’ favoreceu o estabelecimento de algumas fazendas ás margens dos rios” (VALOIS, 2007, p. 57).
No entanto, foi a partir do séc. XIX, principalmente após a Proclamação da República (1889), que o extrativismo se expandiu a custa do comércio da borracha alavancando a ocupação da Amazônia. A demanda da borracha pelas indústrias mundiais impulsionou grandes transformações na cidade de Manaus. Segundo Hall (1991, p.2):
Somas imensas de dinheiro foram ganhas pelos barões da borracha, que exploravam a mão-de-obra barata dos seringueiros, atraídos para a Amazônia pelo surto de progresso e subseqüentemente mantidos nos seus lugares por um selvagem e implacável sistema de escravidão por endividamento [...].
Os investimentos europeus abriram as portas do desenvolvimento e transformaram a cidade “dando-lhe status de metrópole”. Foi a partir daí que se iniciou, em Manaus, um desenvolvimento urbano intenso transformando-a, da primitiva aldeia em uma metrópole moderna e opulenta. No entanto, a “Era da Borracha” teve tempo limitado, pois “durou apenas enquanto sua extração contribuiu para o enriquecimento de alguns, para o aumento dos lucros e da receita do Estado” (VALOIS, 2007, p.58).
Quando a indústria da borracha amazonense fracassou devido à estagnação econômica que resultou da queda no preço da Hevea Brasiliensis, o abandono da cidade se generalizou. Após o caos estabelecido, algumas políticas buscaram o desenvolvimento da região. Entre elas, a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia-SPVEA (1953-64) cuja maior realização foi a construção da estrada Belém-Brasília; a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia-SUDAM; a Operação Amazônia que foi facilitada pela estrada Belém-Brasília e beneficiou, principalmente, o lado leste da Amazônia; e, por fim, a criação da Zona Franca de Manaus, regulamentada pelo Decreto-Lei 288 de 28 de fevereiro de 1967.
Segundo Valois (2007, p.61), esta foi a primeira política dirigida, especificamente, para o estado do Amazonas, porque as anteriores visavam ao desenvolvimento da região. No entanto o desenvolvimento que a Zona Franca promoveu e ainda promove arrastou consigo um impacto muito grande no crescimento da cidade. “Houve aumento de renda e emprego, crescimento populacional, e em contrapartida também representou o início de uma enorme concentração urbana e de riquezas”.
Erguida à margem esquerda do majestoso Rio Negro e encravada na maior floresta tropical do mundo, Manaus, a cidade-estado, adquiriu fisionomia de grande cidade, carregando o ônus de um desenvolvimento atípico no qual, em meio à grande diversidade de riquezas naturais e ao crescimento econômico das grandes empresas instaladas na Zona Franca, se contrapõem comunidades de extrema miséria.
1.3  Ocupação Desordenada e o Controle do Poder Público
Alguns fenômenos merecem destaque quando se trata de ocupação do solo urbano: o processo de urbanização acelerado e a ausência de controle do Estado. O primeiro resultou num cenário de contrastes, numa cidade sem infra-estrutura e serviços urbanos capazes de acompanhar o processo acelerado de ocupação. O segundo, a falta de controle do poder público, é outro problema que, de um lado, permite e até certo ponto incentiva (por falta de fiscalização ou omissão), a ocupação de áreas impróprias e, por outro lado, induz ao fracasso dos programas habitacionais dirigidos à população de baixa renda.
Em Manaus, a ocupação desordenada das margens tem impactado os igarapés devido ao assoreamento dos mesmos. Isso significa que a erosão, resultante do desmatamento e do desaparecimento da vegetação costeira, transporta grande quantidade de sedimentos para os corpos hídricos, além dos resíduos e efluentes jogados pelos moradores o que dificulta e onera, inclusive, o trabalho de drenagem. Além disso, foge ao planejamento dos órgãos responsáveis pela gestão urbana tornando áreas consideradas de preservação permanente e, portanto, impróprias para ocupação, em áreas construídas  
Essas agressões, causadas pela ocupação humana, sugerem a necessidade de se encontrar alternativas que anulem ou minimizem os impactos e promovam a reintegração do homem à natureza. Medidas legais que regulam as ações humanas com respeito à ocupação do solo têm sido formuladas desde a década de 70, quando o país começou a colocar em pauta as questões ambientais através de algumas normas legais de proteção.
    Em 1988, a nova Constituição Federal foi a primeira lei maior a incluir entre seus artigos o direito urbanístico. Entretanto, somente em 2001 entrou em vigência a lei 10.257 (Estatuto da Cidade) que rege a tutela ao meio ambiente em âmbito urbano e introduz o conceito de “cidade sustentável”. Ainda assim, apesar de ser um instrumento importante, o controle dos problemas urbanos, como expansão ilimitada, ocupação desordenada, formação de favelas e invasão de áreas de proteção, tem sido difícil de realizar e as regras e normas legais são comumente desconsideradas (BARBOSA, 2010).
      Algumas pesquisas, no âmbito brasileiro, têm demonstrado que os problemas urbanos acima relatados são decisivos no crescimento da criminalidade. Isso porque, segundo esses estudos, a convergência de fatores de insegurança, como a carência de serviços públicos básicos, educação, segurança, saneamento e saúde estimulam a violência.
      O tema é controvertido, e não é tarefa fácil analisar um problema tão complexo. Rodrigues (2006), por exemplo, afirma que a relação entre pobreza e nível de violência nos contextos urbanos pode ser mais bem apreendida a partir da análise de fatores associados ao local de moradia, que expressariam, dentre outras coisas, as péssimas condições de vida da população ali residente. O raciocínio da autora é explicitado a seguir:
Hoje em dia é uma prática comum nas grandes cidades brasileiras relacionar a pobreza e a violência. Porém, muitas vezes, a variável usada para representar a pobreza nessa associação não é a renda, mas sim o local de moradia. Com efeito, nas grandes cidades muitas favelas e bairros populares apresentam taxas de homicídios extremamente elevadas e muito superiores às dos bairros de classe média ou alta. Por outro lado, há centenas de municípios brasileiros bastante pobres em termos de renda que apresentam baixos níveis de violência. Daí a importância do local de moradia para a relação entre a pobreza e a violência urbana no Brasil: embora a pobreza de renda não sirva como guia para o crime e a violência, um conjunto de fatores contribuiu para tornar os locais de moradia dos pobres nas grandes cidades ambientes de violência extrema. São esses fatores, além da baixa renda, e que em geral são objeto de estudos sociológicos e antropológicos, aqueles que mais importam para compreender a relação entre a pobreza e a violência nas metrópoles (RODRIGUES, 2006, p. 9).
O estudo realizado por Rodrigues na cidade de São Paulo em 2000 demonstrou uma correlação espacial entre os locais de moradias precárias e as taxas de homicídios. Segundo a autora, é nas zonas ditas marginalizadas que costumam se estabelecer os “socialmente desarraigados”. Logo, são vários os fatores que contribuem para essa correlação entre moradia e violência, todos eles relacionados com a precariedade nas condições de existência do grupo populacional excluído e marginalizado.
Considere-se, ainda, o fato de que os criminosos, de um modo geral, criam suas raízes, principalmente, onde os serviços de proteção e segurança oficiais são frágeis ou simplesmente inexistentes.
Em suma, se pobreza por si só não é suficiente para explicar criminalidade, porque comunidades absolutamente pobres nem sempre são violentas, grande parte do problema está, sem sombra de dúvida, na desigual distribuição de riquezas.
A confluência dos fatores desigualdade social, segregação espacial, e falta de oportunidades ocasionadas pela expansão urbana desigual e pela exclusão do mercado de trabalho, operam em conjunto com as escolhas individuais e características próprias de cada indivíduo. Esses fatores comumente estimulam a prática do crime no meio urbano, pois esse é o espaço onde se materializam os contrastes de uma sociedade dividida entre a miséria de uns e o progresso de outros.
No entanto, apesar da constatação da contingência das desigualdades sociais na incidência de mazelas como a criminalidade e a violência em todas as suas facetas, a difícil solução passa pela influência decisiva das classes mais favorecidas que interagem orientando a condução das políticas econômicas e sociais de forma a resistir a uma redução da desigualdade.
Nesse contexto, vale refletir sobre as teorias construídas com o objetivo de combater a criminalidade, as quais se colocam a partir do ponto de vista das questões sociais estruturais.
CAPÍTULO II

CAUSAS E TEORIAS DA CRIMINALIDADE URBANA

Centro das decisões políticas e econômicas, a cidade se tornou a expressão das contradições sociais, estampando as grandes diferenças de classe e de renda, emolduradas em espaços segregados e limitados pelo fator da exclusão. Ao mesmo tempo é nas cidades e para as cidades que se destinam as políticas de intervenção, principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, com a descentralização das políticas de saúde, educação, habitação, saneamento e transferência de renda (BORGES, 2009).
Não se trata, como diz BORGES (2009, p.11), da separação espacial entre áreas pobres e ricas, mas, principalmente, em uma separação social. Para a autora, é preciso ficar atento para os espaços onde imperam a desordem e a criminalidade, pois aí se perdem milhares de vidas, “além da morbidade física e psicológica, que suscitam perda de produtividade e expectativas”.
É dentro desse contexto que se tornou importante discutir a criminalidade como fenômeno social, razão porque, neste capítulo, serão abordadas as teorias de combate ao crime que historicamente foram sendo delineadas.
No Brasil, o controle da criminalidade indubitavelmente passa pelo sistema de Segurança Pública o qual, por sua vez, foi criado pela Constituição Federal (Capítulo III, Art. 144).
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Como esse estudo não pode e não deve ficar exclusivamente no âmbito do sistema de segurança, optou-se, inicialmente, por estudar e conhecer as possíveis causas da criminalidade urbana, lançando um olhar panorâmico sobre a Criminologia. Esta, como ciência, estuda não só o fenômeno da criminalidade, mas também a personalidade e a conduta do criminoso e embasa os programas de prevenção criminal. Portanto, há de embasar também a análise dos índices de criminalidade e formas de controle/prevenção que se propõe elaborar neste trabalho.
O princípio de que todos são iguais perante a lei guarda, na prática, uma enorme contradição, pois a observação mais elementar mostra que a realidade objetiva não é igual. A desigualdade é um fato tanto do ponto de vista biológico, social ou ambiental, como em qualquer outro aspecto que se queira analisar.
No séc. XVIII, J. Maxwell já enunciava esse fato como um dos óbices que dificultavam o entendimento e a elaboração de políticas sociais:
A noção de igualdade humana é radicalmente falsa; a natureza não sabe o que é a igualdade e toda a filosofia zoológica repousa na desigualdade dos indivíduos, fundamento da evolução. Se querem fazer sciência social, é forçoso desembaraçarmo-nos dessa noção metafísica; devemos-lhe graves erros na direção política das sociedades (MAXWELL, 1732, p.10).
Nesse sentido, não é possível estabelecer parâmetros uniformes para comportamentos, pois “não é razoável apreciar os sentimentos de um delinquente habitual comparando-os com os de um homem ocupando uma posição social diferente” (MAXWELL, 1732, p.11).
Para o referido autor, a criminalidade é, em última instância, uma oposição entre a vontade do indivíduo e a vontade coletiva, não obstante aquela, a vontade do indivíduo, se forje no próprio seio da sociedade, mediante a insatisfação do indivíduo diante da realidade em que vive. Logo, a infração é o produto de dois fatores: o indivíduo e a sociedade.
Hagan e Petersen (1995) também discutiram essa questão argumentando que os indivíduos que vivem numa situação de renda inferior se tornam frustrados ao presenciarem a prosperidade de outros. Isso que eles denominaram “privação relativa” explicaria o efeito que a desigualdade exerce sobre os criminosos.
Amaral (1995) também argumenta sobre a relação entre criminalidade e desigualdade comparando países com níveis de riqueza diversos como o Brasil e Gana. Apesar de muito mais rico, o Brasil tem, proporcionalmente, 10 vezes mais homicídios por ano do que Gana localizado no oeste da África. Para Amaral, essa situação é explicada pela disparidade entre ricos e pobres convivendo num mesmo lugar. Dados de 1990 demonstravam que em Gana a proporção era de 2,1 casos de homicídio para cada 100 mil habitantes, enquanto que, no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, para cada 100 mil habitantes, a média era de 19,4 casos de homicídio (AMARAL, 1995).
Essas estatísticas poderiam ser confirmadas, inclusive, nos próprios limites do país, pois nas regiões mais pobres do Brasil como o semi-árido nordestino, ocorrem menos crimes violentos do que nas áreas metropolitanas. Parece lógico, portanto, que não é a pobreza a causa da violência urbana, muito embora a distribuição desigual de renda e de oportunidades desencadeie um processo que pode levar aos caminhos da criminalidade. Entende-se, e é o que se quer demonstrar neste trabalho, que, na base do comportamento criminoso encontram-se várias causas havendo, portanto, necessidade de um estudo interdisciplinar entre as diversas teorias de combate á criminalidade.
Existem registros de um crescimento da criminalidade desde a década de 1960 (RAMÃO e WADI, 2008), o que é justificado pela aceleração do processo de urbanização sofrido pelos municípios do país, a partir dessa época. No entanto, em cidades de porte médio como Manaus, as análises espaciais da criminalidade são, ainda, muito escassas, dado que os estudos mais relevantes foram feitos nas grandes metrópoles brasileiras. Por essa razão, este estudo reveste-se de grande importância para que se encontrem estratégicas mais eficazes de prevenção e intervenção quanto ao combate à criminalidade em Manaus.
Beato Filho (2002) fala de implosão da criminalidade, a mesma ocorrendo no interior das comunidades, em áreas onde convivem, num mesmo espaço, vítimas e agressores. Nos grandes centros urbanos, as desigualdades moram lado a lado, sendo elevados os déficits sociais, econômicos, ambientais, culturais, educacionais entre outros, que podem estar contribuindo para a elevação das taxas de criminalidade.
Aos desempregados que perambulam pelos centros das grandes metrópoles, somam-se as carências de serviços e de políticas compensatórias que dignifiquem o cidadão. Acrescente-se a isso, uma justiça morosa que favorece a impunidade e que também é distribuída de maneira desigual, e tem-se um quadro tão bem retratado por Ricardo (2007, p.2), no texto abaixo:
A década de noventa no Brasil foi marcada pelo crescimento nas taxas de criminalidade e violência. Em relação às taxas de homicídios por 100 mil habitantes, por exemplo, houve um crescimento de 26,4%, variando de 20,9 em 1991 para 28,4 em 2002. Na região metropolitana de São Paulo, verificou-se um brutal crescimento nas taxas de roubo a mão armada por 100 mil habitantes, variando de 269,05 em 1981, para 562,63 em 1991 e para 879,79 em 2002, ou seja, uma variação de 69,42% entre 1981 e 2002.
Com a expansão da criminalidade também cresceu a sensação de insegurança, muitas vezes baseada em experiências concretas. Esse fato trouxe o problema da punição para o debate público não sendo estranho, portanto, que a população desavisada e desinformada, clame por políticas de maior repressão como o endurecimento das penas e a redução da maioridade penal.
Por outro lado, como defende Ricardo (2007), a repressão à criminalidade, por si só, não é suficiente para lidar com um problema tão complexo, surgindo, a partir dessa constatação, propostas voltadas para as possíveis causas da violência e da criminalidade visando à prevenção dos delitos. Uma retrospectiva dessas propostas confirma os ensinamentos do autor, apontando para um sem número de teorias que passam da repressão à prevenção sem descartar a complexidade do tema.
Esse trabalho destacou algumas dessas teorias, que serão analisadas a seguir e que servirão de embasamento para as conclusões posteriores.
2.1 Teorias de Enfrentamento à Criminalidade
A violência é um fenômeno multidisciplinar, como há de ser qualquer conceito relacionado com justiça, e suas soluções não podem ser estabelecidas previamente. Tem havido, no entanto, no decorrer da história, várias concepções que colocam a prevenção e o controle da violência em campos opostos.
Os defensores de medidas de controle propõem, como caminho a seguir, maior rigidez nas penas, aumento das prisões e da disponibilidade de vagas no sistema penitenciário, enquanto aqueles que defendem o caminho da prevenção acreditam na solução pela via da diminuição da pobreza, de um sistema educacional mais eficiente e melhor distribuição de renda, dentre outras medidas que podem ser estabelecidas pelo próprio sistema de justiça criminal.
A origem das concepções relacionadas com a justiça penal está nos primórdios da civilização, quando a religião tinha como suporte, segundo Silva Júnior (1996, p.03), “a expiação do criminoso culpado por haver atentado contra a Divindade”. Essa concepção, posteriormente, deixa a órbita religiosa para adentrar na órbita política quando não mais objetiva “aplacar a ira dos deuses” e passa a “proteger a ordem e a paz pública perquirida pelo Soberano”. A partir de então, a autoridade do Estado passou a impor a paz através de “mecanismos mais bárbaros, não apenas no propósito de punir, mas também, o que é pior, no escopo de descobrir a verdade”.
No final do Século XVIII, Cesare Beccaria passou a criticar as atrocidades praticadas pelo sistema penal da época, que mantinha a tortura e a pena de morte. Com a obra “Dos Delitos e das Penas” inicia-se uma nova etapa que se denominou Escola Clássica. Influenciado por Montesquieu, Beccaria elabora a tese de que somente a lei pode limitar o direito de punir do Estado (SILVA JUNIOR, 1996)
Também o Positivismo influenciou a aplicação das penas, embalado nas experiências otimistas da Revolução Industrial e do desenvolvimento das ciências experimentais passando-se a encarar o conhecimento dos fatos como o pressuposto da verdade. Defendeu essa corrente, Cesar Lombroso, segundo o qual, o homem é levado ao crime por um fenômeno biológico, admitindo, mais tarde, a influência de fatores exógenos. Nesse mesmo caminho, Enrico Ferri classificou o delinquente em cinco categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional (SILVA JUNIOR, 1996).
É a partir da tese do criminoso nato que a causa do crime passou a ser buscada no próprio criminoso. Nasceu, então, a Criminologia, cuja evolução trouxe, como contribuição ao tema da criminalidade, algumas teorias que tentavam solucionar o problema.
São inúmeras as teorias de combate à criminalidade, passando pelas teorias absolutas que tratam o crime como algo que deve ser punido (repressão simplesmente) às teorias relativas que incluem as de prevenção geral e as de prevenção individual, ambas podendo ainda se dividir em positivas e negativas.
As teorias absolutas estritamente repressivas que envolvem polícia, justiça e sistema carcerário não têm demonstrado grande eficácia para inibir o crescimento da criminalidade. Isso porque, na visão de Kahn (2002) esse tipo de ação é limitado.
A visão penal-repressiva é limitada tanto como método de compreensão da realidade - por fazer uma leitura descontextualizada e individualizadora dos conflitos sociais - quanto como instrumento de produção de segurança, por intervir somente no nível sintomatológico dos conflitos, respondendo reativamente a ações puníveis de indivíduos (KAHN, 2002, p.5).
Diante da evidente impossibilidade de resolver o problema da criminalidade exclusivamente pelo viés repressor, teorias alternativas foram sendo construídas buscando lidar com o problema a partir da idéia de prevenção. De acordo com Ricardo, (2007) a idéia da prevenção dentro do Direito Penal surgiu com as teorias relativas sobre a finalidade da pena. Enquanto a teoria absoluta atribui uma finalidade retributiva à pena, as teorias relativas dão à pena, “a função de proteção da sociedade por meio da prevenção possível dos ilícitos” (RICARDO, 2007, pag. 4).
A prevenção é geral quando se funda na idéia de exemplaridade, isto é, quando a norma penal incentiva a confiança gerando efeitos positivos (Prevenção Geral Positiva) ou quando a pena por si só previne a prática de delitos coagindo psicologicamente os indivíduos (Prevenção Geral Negativa) (RICARDO, 2007).
A prevenção individual ou especial, ao contrário da prevenção geral, atua no indivíduo, sujeito do ato ilícito. Quando negativa baseia-se na idéia da intimidação do criminoso, na medida em que este percebe as consequências jurídicas de sua ação, e dessa forma deixa de cometer novos crimes. Quando positiva se funda na ideia da ressocialização e reintegração do apenado (RICARDO, 2007).
O crescimento da criminalidade gera insegurança na sociedade aumentando a demanda por ações mais eficazes por parte do sistema policial. No entanto, como a questão não tem raízes homogêneas, a prevenção deve buscar a articulação entre diferentes áreas da sociedade. O sistema público de saúde, o sistema educacional, do trabalho, sistema judiciário, polícia, administração penitenciária, sociedade civil, mídia e os setores privados devem atuar de forma articulada para que a criminologia possa oferecer respostas ao clamor social.
2.2 Teoria das Oportunidades ou Prevenção Situacional
Conforme a criminologia tradicional, os fatores que afetam as escolhas dos indivíduos estão relacionados com a predisposição pessoal, problemas familiares, de aceitação social entre outros, todos independentes do controle estatal, ou pelo menos onde esse controle não seria conveniente. Esse fato dificulta qualquer ação preventiva porque “não se pode obrigar os pais a amarem os filhos, comunidades a supervisionarem seus adolescentes ou proibir jovens de desenvolverem certas atividades e comportamentos de risco” (BEATO F., PEIXOTO e ANDRADE, 2004, p. 73).
Com o crescimento das cidades surge um novo padrão de criminalidade, pressupondo a segregação de grupos de indivíduos em ambientes marginalizados e um sistema de controle frágil e omisso. No âmbito municipal, essa é uma análise muito importante, pois envereda pela Teoria das Oportunidades, variante da Teoria Econômica do Crime. Também chamada de Prevenção Situacional, essa teoria direciona os esforços contra a criminalidade ao agente infrator entendendo que ele faz uma escolha racional entre a punição e as vantagens resultantes da ação criminosa.
Dentre as teorias que estudam o comportamento delituoso e o direito de punir, destacam-se a Teoria Econômica do Crime, que compõe o argumento geral da Teoria das Oportunidades. De acordo com essa teoria, os indivíduos se tornam criminosos porque os “benefícios” do crime são compensadores mesmo quando são considerados os riscos; logo, o comportamento criminoso, segundo os economistas defensores dessa teoria, é uma atividade eminentemente racional (NETO, 2003).
A corrente que defende a Teoria Econômica do Crime foi iniciada por Gary Becker em 1968, o qual aplicou os métodos da economia na análise dos mais diferentes fenômenos sociais. Pressupõe-se que o criminoso faz uma escolha racional entre a punição, com tudo que ela representa (violência policial, prisão, severidade da pena etc.), e as vantagens resultantes da ação criminosa.
A Escolha Racional considera que o indivíduo decide pelo crime a partir de uma avaliação entre ganhos e perdas (CAMPOS, 2008). Essa teoria teve uma grande repercussão no Brasil na década de 1990, quando as preocupações com a segurança pública se intensificaram devido às elevadas taxas de criminalidade e violência que o país contabilizou nesse período.
Becker (apud CAMPOS, 2008) analisa o problema a partir de dois parâmetros, o criminoso e o sistema econômico. Por um lado, na avaliação do criminoso, fatores positivos e/ou negativos, conduzem a uma conduta criminosa ou não. Por outro lado, do ponto de vista econômico, os custos da punição incluem, entre os custos totais do crime: (a) gastos públicos policiais e da justiça criminal; (b) custos da prisão; (c) gastos com proteção e apreensão, etc..
Beato F., Peixoto e Andrade (2004, p. 86) argumentam que:
[...] pessoas que transitam em locais públicos, em horários de maior fluxo e à noite são vítimas mais prováveis de crimes motivados economicamente. O mesmo acontece se residem em locais onde existem muitos prédios abandonados e onde se escuta barulho de tiros.
Pode-se, com efeito, demonstrar o fator interdisciplinar das diferentes teorias, ao analisar a “segregação residencial socioeconômica”. Aqui se relacionam condicionantes como a “concentração espacial da pobreza” e as oportunidades surgidas no ambiente segregado, deixando claro que os dois fatores não contribuem isoladamente. É o que afirma Flores (2005 p. 197)
A idéia subjacente é que a experiência individual da segregação socioeconômica, o isolamento e o empobrecimento em termos de uma geografia de oportunidades que a segregação traz, tem efeitos importantes tanto na tomada de decisões como nos resultados esperados dessas decisões. Neste sentido, o efeito da concentração espacial da pobreza, na trajetória de vida das pessoas, é distinto e distinguível do efeito da experiência individual da pobreza.
A Teoria da Prevenção Situacional foi proposta por L.E. Cohen e M. Felson em 1979. Diante do fato de que a rotina diária cria oportunidades para o cometimento de delitos, os cientistas propunham mudanças nas atividades rotineiras dos indivíduos como recurso para influir nos níveis de criminalidade. Trata-se de uma estratégia que procura anular as possibilidades que permitem a obtenção de êxito no intento criminoso
Os centros urbanos configuram um ambiente propício para a ocorrência de delitos, mormente quando se constata o anonimato que caracteriza a vida nas cidades modernas. A Teoria das Oportunidades vem ao encontro dessas condições que dificultam a convivência harmônica e oferecem um excelente esconderijo para os criminosos, principalmente porque os espaços urbanos são áreas onde a segurança não é tão fortemente controlada quanto nas periferias da cidade.
Para Beato F., Peixoto e Andrade (2004), o instinto de “territorialidade” é perdido “quando se constroem grandes prédios de habitação coletiva em que os moradores mal se conhecem”. Além disso, como o controle da segurança é relativamente frágil, os acessos “facilitam a atividade de predadores”. Para os autores, a redução do anonimato pode ser alcançada “pelo incremento da vigilância natural” e também pela redução das oportunidades de fuga para os possíveis ofensores (BEATO F., PEIXOTO e ANDRADE (2004, p. 74).
Com esse alcance, a Teoria das Oportunidades visa a reduzir as oportunidades para o potencial infrator cometer o delito, seja aumentando os esforços para o combate ao crime, seja diminuindo os ganhos resultantes da atividade criminosa. Os defensores dessa teoria acreditam que o “delito ocorre quando se agregam três fatores: um agressor motivado, um objeto disponível e a ausência de vigilância”. A inexistência de um desses fatores é suficiente para que o agente desista de cometer o crime (CARVALHO, 2004, p.04).
2.3 Teoria da Prevenção Ambiental
A Prevenção Ambiental é uma variante da Prevenção Situacional. Nesse caso, as ações dirigidas à redução das oportunidades de cometimento do delito são feitas a partir da manipulação das condições do entorno (ambiente) no qual age o potencial ofensor. Assim, a organização do ambiente urbano, através da manutenção de ruas, calçadas, praças e jardins, tem, segundo essa teoria, estreita correlação com a queda da criminalidade, pois admite que as mudanças produzidas no ambiente possam inibir o delinquente.
Considerando o exposto, a ideia que prevalece nessa teoria não é transformar os indivíduos para um convívio social sadio, mas criar obstáculos à ocorrência dos crimes por meio da manipulação das condições do ambiente urbano. A teoria em questão reconhece que as condições locais podem representar forças poderosas e que essas forças, se desenvolvidas de forma correta podem, na opinião de Quaglia (apud WAQUIM, 2009, p. 04):
[...] prevenir ou inibir a ocorrência de crimes através do fortalecimento da viabilidade econômica e coesão social das comunidades; disponibilização de serviços e facilidades para os moradores; importância da aplicação da lei, entre outras medidas.
O uso da tecnologia moderna (circuito de TV, radares de velocidade, alarmes etc) e das ações de segurança privada, evidentemente articulados com a sociedade e os governos, podem, segundo essa concepção, controlar a incidência de alguns tipos de crimes, como roubos, violência sexual, vandalismos e pichações (QUAGLIA, apud WAQUIM, 2009).
São também variadas as críticas à teoria situacional: considera-se, por exemplo, que a prevenção situacional não reduz o delito, e sim, desloca-o para outra área ou para outro momento, muda o tipo de crime ou mesmo o método de praticá-lo; também se questiona o poder de invasão exercido, pelos órgãos de segurança, na privacidade do indivíduo, através de escutas telefônicas, investigações nas contas bancárias etc. (CARVALHO, 2004).
2.4 Desordem e Criminalidade: a Teoria das Janelas Quebradas
Publicada em 1982 pelo cientista político Q.Wilson e pelo psicólogo criminologista George Keling, a Broken Windows Theory (Teoria das Janelas Quebradas), constitui um estudo sobre a relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade. A imagem de janelas quebradas foi usada como analogia, pois a destruição da janela passa a ideia de que naquele lugar não existe autoridade responsável pela manutenção da ordem (RUBIN, 2003).
Essa teoria, na década de 1990, lançou os fundamentos da política criminal nos Estados Unidos e com a denominação “tolerância zero”, foi implantada em Nova Iorque obtendo muito sucesso. Segundo Rubin a criminalidade violenta pode ter origem em pequenos delitos que devem ser prevenidos com, entre outras coisas, a presença constante da polícia no seio da comunidade. O policial, de acordo com o promotor, deve fazer parte da comunidade, sendo capaz de lidar com as desordens, embriaguez pública, jogos ilegais e outras condições que geram o crime. A ideia é que o policial conheça a comunidade e seja conhecido por ela. (RUBIN, 2003):
Sem dúvida, existe uma correlação entre desordem e criminalidade, não absolutamente ou unicamente nesse sentido (desordem à criminalidade), mas também no sentido contrário. Como se refere Coutinho (2009, p.02), “a manifesta ausência de uma autoridade estatal para reprimir tal conduta e, principalmente, na própria aceitação da comunidade local pelos pequenos desvios infracionais, estaria instalada a permissibilidade para a desordem”.
Mas, se por um lado a desordem favorece o crime, um ambiente onde impera a criminalidade também é propício à perpetuação da desordem. Para Coutinho (2009), a insegurança e o desamparo das cominações legais podem ensejar crises e perturbações sociais, ocasionadas, no entanto, pela falta de atuação imediata da autoridade.
Segundo os autores da teoria, Kelling e Coles, na obra Fixing Broken Windows, de 1996, a relação entre incivilidades, medo (percepção da insegurança) e diminuição das formas de controle social, tradicionais (ou destruição dos laços comunitários) é explicitada na citação a seguir:
[...] o comportamento desordeiro, desregulado e não responsabilizado sinaliza para os cidadãos que a área é insegura. Respondendo de maneira prudente e com medo, os cidadãos ficarão fora das ruas, evitarão certas áreas e diminuirão suas atividades normais de rotina e associação. À medida que os cidadãos se retiram fisicamente, eles também se retiram dos papéis de apoio mútuo aos seus co-cidadãos nas ruas, dessa maneira diminuindo os controles sociais informais que anteriormente ajudavam a manter a comunidade, à medida em que a atomização social vai se colocando. Por fim, o resultado para uma tal vizinhança, cujo tecido da vida urbana e das relações sociais foi minado, é o aumento da vulnerabilidade com relação ao influxo de mais comportamento desordeiro e crimes sérios” (KELLING e COLES, 1996, p. 20).
A desordem joga, assim, um importante papel na degradação das vizinhanças, diminuindo a moral da comunidade, dando às vizinhanças uma má reputação, minando a estabilidade do mercado imobiliário local, os comerciantes locais passam a não mais atrair clientes e o investimento econômico na localidade decai (SKOGAN apud KELLING e COLES, 1996: 24-25).
Assim, as estratégias de manutenção da ordem, segundo eles, deveriam compreender uma mudança fundamental no que diz respeito a enfatizar a redução do medo em geral, por meio do fortalecimento da organização comunitária. A recuperação do entorno da comunidade teria papel fundamental nesse sentido.
Para Jacobs (2009), uma estratégia de recuperação dos territórios da comunidade deve visar à recuperação de “cortiços”, vilas, favelas, entre outros, de maneira a criar condições para convencer os moradores, sejam quais forem, a se reapropriarem de seu território, permanecendo ali por livre escolha; permitir que a diversidade de pessoas aumente sempre; e que a comunidade se fortaleça, tanto para os antigos residentes quanto para os moradores que se incorporem a ela.
Sem precipitar qualquer julgamento de valor, entende-se que a tarefa de prevenir o crime e a violência é de enorme complexidade, exigindo, apesar dos aspectos positivos de cada uma das teorias acima relacionadas, que se resgatem todas as dimensões do problema e se articulem diversos setores do conhecimento.
CAPÍTULO III

 O CENÁRIO BRASILEIRO E A POLÍTICA HABITACIONAL NO AMAZONAS
A evolução histórica da Política Criminal confunde-se com a evolução do Direito Penal, o que parece compreensível, dado que as teorias sobre o crime sempre estiveram associadas à punição do criminoso. Por outro lado, o Direito Penal também evoluiu a partir de valores norteadores da conduta humana o que justifica uma reflexão social e jurídica do problema.
O homem como ser social tem que ser entendido dentro dessa complexidade que se constitui em inúmeros interrelacionamentos com outros seres e instituições desencadeando contradições, conflitos interindividuais e criando muitas vezes situações que propiciam o aflorar de imperfeições e violências.
Moraes (2006, p. 06) confirma que, “o surgimento inevitável do crime, assim como a sua punição, são males dos quais as sociedades modernas não conseguem se livrar, muito ao contrário, aumentam e assumem novas formas com a modernização acelerada”. De acordo com o autor, não é importante saber se o crime pode ser eliminado da sociedade, mas como ele deve ser reduzido a padrões ‘aceitáveis’ e essa é uma solução que não pode prescindir da política.
3.1  A evolução da Política Criminal no país
As respostas mais democráticas ao problema da violência urbana, no Brasil, começaram a surgir a partir da Constituição Federal (1988), que introduziu a questão da segurança como um direito, social e fundamental do cidadão. Até então, considerando o momento político brasileiro e o nível de repressão sofrido pelos movimentos sociais, o assunto parecia não fazer parte das pautas de discussões, permanecendo restrito a alguns círculos intelectuais e policiais.
Como postulado constitucional, o respeito à dignidade da pessoa humana passou a orientar a política criminal no país. Punir por si só, “sem uma finalidade justa, é desserviço à sociedade, pois não a protege, além de fazê-la arcar com os custos sociais e econômicos daí decorrentes, ao mesmo tempo em que contradiz a cláusula da Lei Fundamental” (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 15).
No entanto, verificava-se, nesses primeiros anos de democracia, uma nítida separação entre policiais e sociedade civil. Esta, defensora dos Direitos Humanos e aqueles, os policiais e seus agentes, voltados para o combate à violência, como se uns e outros não fossem cidadãos com direitos e deveres. Compreender a segurança como uma política pública tão importante quanto a política educacional e a política de saúde é sintoma de maturidade democrática e a democracia brasileira ainda engatinhava os primeiros e titubeantes movimentos.
Paralelamente a isso, pouco se investiu em Política Criminal e, como consequência, o Sistema Penitenciário tornou-se uma escola de “aperfeiçoamento para violência criminal em todos seus aspectos”. Apesar da Constituição Democrática, os presos continuaram amontoados em prisões fétidas como se estivéssemos ainda nos anos da ditadura de 1930. Como afirma Silva Júnior (2000, p.15):
Criminalidade se enfrenta com política criminal definida, séria, que procure encarar o problema sem passionalismo, tendo como pressuposto, antes de tudo, que não se está diante do delinqüente, ou do elemento, como se costuma dizer no linguajar policial, mas do homem, do homem que vive e sofre as influências do meio social e das suas peculiaridades congênitas.
A situação não está melhor em pleno séc. XXI. Uma pesquisa divulgada pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, em 2002, totalizava 239.345 presos de ambos os sexos, no sistema carcerário brasileiro. Em 2006 foram registrados um total de 401.236 apenados significando um aumento de 67% (XAVIER, 2010).
Sem investimentos principalmente na construção de presídios, esse aumento tem apenas uma e única explicação: “entram mais presos do que saem no sistema”. Com uma população carcerária crescente, faltam mecanismos estruturais para garantir o mínimo de dignidade. Assim, mesmo com as garantias que constam no art. 5º. da Constituição Federal, o “respeito e a proteção à integridade física e moral” passa, simplesmente, a ser uma questão teórica. De fato, o que se verifica é uma total distorção dos preceitos legais, o que, aliás, tem sido uma antiga prática brasileira, pois a Constituição Federal de 1940 também preceituava que “aos presos serão assegurados todos os direitos não atingidos pela lei” (XAVIER, 2010, p. 71).
Por fim, a política criminal não pode estar dissociada da política social, pois são, ao mesmo tempo, causa e efeito. Por essa razão e considerando o momento que o país vivia quando da abertura política, o respeito à dignidade da pessoa humana iluminou o texto da Carta Magna de 1988. No entanto, ao mesmo tempo em que se criaram mecanismos legais para garantir o direito à segurança, as cidades foram se expandindo e cresceram, demograficamente, muito além da capacidade de tornar efetivas as garantias a todos os seus cidadãos. Criaram-se guetos onde homens, mulheres e crianças são confinados tornando visíveis as transformações de ordem econômica, social e ambiental.

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